' Falta tanta coisa na minha janela como uma praia, falta tanta coisa na memória como o rosto dele*, falta tanto tempo no relógio quanto uma semana, sobra tanta falta de paciência que me desespero. Sobram tantas meias-verdades que guardo pra mim mesma*, sobram tantos medos que nem me protejo mais, sobra tanto espaço dentro do abraço, falta tanta coisa pra dizer que nunca consigo..

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Melhor amigo e a vida adulta;

Falar em “melhor amigo” depois dos 15 anos, pode [...]? 

Na idade em que me encontro pode-se falar, sem problemas, em chefe, IPVA, rodízio- de veículos e de carne- chá de cozinha, relatório, afilhado, celulite, bônus, contas a pagar, paquera, risoto, cachaça. 
Mas será que a expressão “melhor amigo” não deveria ter ficado no passado, na mesma época em que deixamos palavras como recreio, ficante, fichário, matinê, branquinho, grafite 0,6, cantina, lição de casa, 1ºB? 
Deveríamos, então, para ser pessoas maduras, ter padronizado as relações, chamando todos simplesmente de “amigo”, diferenciando, no máximo, aqueles que são meros colegas? 
Se for assim, peço licença para renunciar à minha maturidade.
“Melhor amigo” e “melhor amiga” não saem do meu vocabulário nem sob tortura. 
Amigos são uma maravilha. Indispensáveis. O tempero da vida. 
Mas, sejamos justos: alguns amigos não podem ser apenas mais uma pessoa querida na lista da nossa vida. Alguns precisam de destaque. Merecem um posto privilegiado. Um título de honra, acima do bem e do mal. 
Porque quando a gente se refere a eles para um estranho, é preciso dizer “melhor amigo” para colocá-los no seu devido lugar. Eles não são iguais aos outros, por melhores que os outros sejam. 
Porque amigo é quem diz “te ajudo a resolver isso” e melhor amigo diz “vamos resolver isso”. 
Porque amigo vai estar lá quando você chamar. Melhor amigo vem sem você pedir. 
Porque amigo te ouve. Melhor amigo te lê. 
Porque pra amigo você conta. Melhor amigo já sabe. 
Porque a gente tem um amigo que é o melhor para conversar sobre trabalho. Outro sobre livros. Outro sobre dinheiro. Outro sobre viagens. Mas sobre a nossa vida, nossos rumos e decisões, sobre o que realmente importa… É ele. Não tem outro. 
E não importa se vocês seguiram rumos completamente diferentes: um casou e outro vive na piriguetagem, um trabalha no mercado financeiro e o outro faz doutorado sobre libélulas, um mora em Osasco e o outro em Berlim. Não importa. Existe uma identidade que nenhuma mudança da vida pode abalar. 
É um afeto consolidado, imune a tempestades e ventanias. E acima de tudo: imune ao tempo. 
Melhor amigo é uma das poucas coisas da vida que não tem medo do tempo. As paixões têm medo do tempo, as carreiras também, assim com as peles e os sonhos. Mas, se é melhor amigo, é completamente atemporal. 
E estar com ele é como voltar a estar com aquilo que somos de verdade. É quando estamos despidos de qualquer máscara que o dia a dia nos impõe e que, por vezes, esquecemos de tirar ao chegar em casa. 
Lembra do anjinho da consciência? É o melhor amigo. E o diabinho da consciência? Também. Melhor amigo é aquele que já é, inevitavelmente, a gente também. É a personificação do quão difícil é, por vezes, identificar a linha tênue que separa o “eu” do “outro”. 
E nem sempre o melhor amigo é um só. Tem o melhor amigo de infância, de faculdade, do trabalho, do bairro. Não importa. Se recebe o título de “melhor amigo”, é porque é O CARA. Não tem discussão. 
E, se para ser um verdadeiro adulto, é preciso abrir mão disso, que é mais do que uma mera expressão, é uma condição de vida, aqui estou eu, do alto de toda minha imaturidade para falar, de peito aberto, sem nenhum constrangimento, que nos meus melhores amigos, vida adulta nenhuma vai poder mexer. São irredutíveis, inegociáveis, inabaláveis. São a infantilidade escancarada da qual vou sempre me orgulhar.